Cidadania na Metrópole Desigual: a cultura política na metrópole fluminense1
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro (IPPUR/UFRJ)
Orlando Alves dos Santos Junior (IPPUR/UFRJ)
Discutir a problemática da governança urbana do metrópole do Rio de Janeiro requer não
apenas discutir as raízes das enormes desigualdades sociais e urbanas existentes nas suas
cidades, mas também a cultura política que vigora na sua configuração socioespacial. A
cidade do Rio de Janeiro apresenta traços de um espaço político pouco virtuoso no sentido da
integração de todos os segmentos sociais à vida cívico-política da cidade. Vários analistas
vêm apontando a existência de nítidas tendências à fragmentação institucional da metrópole,
do que resulta uma dinâmica despolitizadora da gestão urbana, o que significa a
predominância das formas privadas de realização dos interesses privados, sem qualquer
mediação de esferas que possam publicizá-los e articulá-los aos interesses gerais da cidade.
Este caráter restrito da esfera cívico-politico da metrópole é potencializado pela sua
configuração territorial como conurbação de localidades sociais e políticas, conformando
elites municipais que estabelecem relações de proteção e submissão com o centro de
Sinteticamente falando, parecem existir elementos estruturais e históricos nas dificuldades
existentes para gerar uma dinâmica política virtuosa que permita a construção de um projeto
urbano simultaneamente empreendedor das potencialidades e capaz de promover o bem-estar
individual e coletivo na metrópole fluminense. Pretendemos neste artigo explorar a análise de
alguns elementos vinculados à cultura cívica e política para contribuir na compreensão dos
caminhos para a superação dessas dificuldades. O foco da análise está fundado nos dados do
survey realizado na metrópole do Rio de Janeiro sobre o tema da cultura política e da
1 Resumo expandido do artigo apresentado no 34º Encontro Anual da ANPOCS. 25 a 29 de outubro de 2010, Caxambu, MG. Edição 2010
No contexto da “cidade escassa” (Maria Alice Resende de Carvalho), a experiência social se
organiza com base em intensa fragmentação de juízos, o que torna muito frágil até mesmo o
reconhecimento da propriedade, já que ela nada mais é do que um acordo quanto a limites. A
violência, assim, não é algo que possa ser isolado nos interstícios da ordem, pois é uma das
formas atuais de organização da sociedade que, prevista nas teorias sobre a desobediência
legítima, se nutre do retraimento do Estado e mobiliza a cidade para o que não deixa de ser
Nesse sentido, a evolução política carioca e o padrão de ética social que deriva dela podem
ser apresentados como uma história de variados tipos de nexo entre indivíduos e grupos
selecionados e a esfera estatal que, embora mais recentemente tenha propiciado alguma
integração social, não inscreveu a política representativa como a arena privilegiada para a
resolução de demandas. O resultado desse processo se traduz, hoje, em duas práticas
facilmente identificáveis: de um lado, a “apatia” da sociedade em relação ao mundo público,
de outro, no comportamento da parcela mais pobre da população, que espera ser capturada
pela malha do clientelismo urbano, agora exercido não apenas pelos seus agentes tradicionais,
mas também por segmentos da burocracia estatal, igrejas e organizações não-governamentais,
cuja ação, em meio à carência, tende a confirmar estratégias de racionalidade perversa,
orientadas para a persistência desses vínculos de clientela. Além disso é notória a facilidade
com que o crime organizado tem se apropriado dessa função, mobilizando, em grau
crescente, recursos e pessoas para esse fim.
Desagregamos a análise dos indicadores em três áreas, obedecendo aos seguintes critérios: a)
estrutura social; b) formas de ocupação e uso do solo e de produção da moradia; c)
concentração do bem-estar social Urbano; b) conexões com as áreas centrais e d) dimensões
políticas. A aplicação destes critérios resultou na identificação das seguintes áreas: (i) Núcleo
/ Zona Sul ampliada; (ii) Subúrbios; e (iii) Periferia / Baixada Fluminense.
Escolhemos examinar os indicadores sobre três temas: a) Disposições dos Indivíduos para o
engajamento na vida política e b) as formas de exercício da cidadania.
Algumas observações sobre esses indicadores nos parecem importantes. A primeira refere-se
às desigualdades do papel da escola na formação da percepção das atitudes dos adultos
perante a política. No núcleo metropolitano, as pessoas são preparadas mais intensamente do
que na periferia para o engajamento na vida política, adquirindo o que poderíamos talvez
denominar do capital político traduzido em disposições internalizadas que valorizam esta
esfera da vida social. As desigualdades sócio-territoriais quanto o acesso ao sistema de
escolarização se traduz em desigualdades da cultura política, e podemos pressupor que
desencadeie um círculo virtuso, ou seja, melhores escolas, maior predisposição para o
engajamento político e acesso a melhores escolas.
Mas a socialização para a política acontece também em outros momentos do ciclo vital e por
outras esferas. Os indicadores mostram diferenças também sempre favoráveis aos moradores
do núcleo metropolitano e, sobretudo, que a socialização secundária no conjunto
metropolitano ocorre de maneira mais intensa nos círculos da sociabilidade mais pessoal da
família, dos amigos, em contraposição ao que acontece nas esferas mais amplas do trabalho e
da vida associativa. Certamente, esta constatação decorre da estreiteza das instituições da
vida associativa e cívica na região metropolitana do Rio de Janeiro, como já revelado outras
pesquisas como as realizadas pelo IBGE em 1996 e 1988.
A maior disposição ao engajamento da vida política dos moradores do núcleo metropolitano
se completa com a análise dos diferenciais do indicador de exposição à mídia informativa. Os
indicadores mostram os diferenciais do nível de informação, sendo que, como era esperarado,
a diferença é maior quanto à exposição às informações que circulam pela internet.
Por fim, observamos que a maior pré-disposição dos moradores do núcleo para a vida política
se expressa de maneira mãos sintética nos valores e crenças evidenciados pela pesquisa
Na análise, chama atenção alguns pontos. O primeiro refere-se ao fato da população do
núcleo ser mais associada. Portanto, ela dispõe de maiores parcelas do capital social
convencional, aquele que depende de maior e mais duradouro engajamento na vida cívica da
sociedade. Tal fato tem repercussões políticas, pois esta forma de capital social é mais
gerador de ações coletivas. Portanto, esta parte do espaço da metrópole concentra uma
população com maior capacidade de aglutinar forças para as demandas de natureza
distributiva. Não é sem razão que sabemos que nesta parte da metrópole tende a concentrar-se
maiores parcelas dos investimentos urbanos.
Neste sentido, esta maior parcela de capital social convencional acumulado no núcleo tende
manter a reproduzir as desigualdades sociais no que concerne ao bem-estar urbano. Como
uma forma de capital cívico leva a outra, esta parte da população do núcleo é mais
mobilizada, possuindo, portanto, também outra forma de capital , ou seja, aquele tipo de
capital menos fundado em ações de maior e mais duradouro capital social, mas também nos
de tipo “bridging” ou “bindig”. São pessoas e grupos sociais com maior auto-mobilização,
Estes fatos são coerentes com o mapa social da metrópole. O núcleo da metrópole
fluminense, com efeito, concentra de maneira forte as camadas médias profissionais de nível
de superior, via de regra trabalhadores intelectuais com maior presença nas formas
associativas política (partido) e profissional (sindicato), como já mostraram outras pesquisas
do IBGE e da Rede Observatório das Metrópoles.
Ao mesmo tempo, por serem segmentos que detêm maior parcela do capital cultural têm
maior capacidade de auto-mobilização. Quando olhamos o quadro que nos apresenta as
variáveis preditoras do associtivismo percebemos que a mobilização contribui fortemente na
geração do capital social convencional, mais tal fato tem maior expressão no núcleo do que
nos subúrbios e na periferia metropolitana.
Não é sem razão que os acontecimentos políticos de expressão na escala metropolitana e
mesmo nacional acontecem nesta parte da cidade. É a tradução da deste poder social
territorializado em capacidade convocatória da sociedade.
Francisco de Oliveira escreveu no passado que o urbano no Brasil era as classes médias, sua
capacidade de definir as necessidades urbanas, as prioridades e as formas de atendimento
pelas políticas públicas. Ou seja, o poder de segregação gerar a segregação do poder.
O segundo ponto a assinalar é que os grupos associados e mobilizados no núcleo se
distinguem dos moradores dos subúrbios e da periferia. Estes dois tendem a ser estaticamente
iguais e diferentes dos moradores do núcleo.
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